- WSL / Luis Reis
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No seu tempo de Circuito Mundial, Fabinho chegou a ser acusado de merrequeiro, mas hoje o pai de Ian Gouveia e avô de Malia bota pra baixo nas maiores. Na conversa abaixo, ele explica que vontade nunca faltou de pegar ondas grandes, mas que o medo era forte para quem veio de uma praia na Paraíba onde as ondas são notoriamente pequenas. Com as viagens constantes para competir e as temporadas anuais no Havaí ele foi enfrentando seus temores e acabou pegando gosto de verdade pelas emoções que só um mar cascudo de verdade proporciona.

When he was competing in the CT Fabio Gouveia was afraid of surfing Pipeline, not anymore. No início de sua carreira no Circuito Mundial, Fabinho Gouveia não se sentia nem um pouco à vontade em Pipeline, hoje em dia é uma de suas ondas preferidas. - WSL / Marcio Canavarro

Mas faz questão de esclarecer que ser chamado de "big rider" tudo bem, mas "giant rider" ele deixa pros malucos que dropam ondas absurdas. Aos 47 anos de idade, o Fia, como ele é tratado pelos amigos, tem se dedicado com afinco a Pipeline, Sunset e Waimea, no Havaí, e à Laje da Jagua, aqui no Brasil. Já Jaws é um sonho que ele pretende realizar proximamente, não para provar nada a ninguém, mas para mais uma vez se superar. Confira na bem humorada conversa abaixo como ele se sente na hora de dropar uma morra agora que também é avô.

World Surf League - Fabinho a ideia é fazer uma matéria colocando no título que você é o vovô big rider, tudo bem? Fabio Gouveia - (Rindo muito) Meu irmão não bota esse negócio de big rider não, ou pode até botar porque agora tem esse negócio de giant rider. A parada é por ai.

Nos seus tempos iniciais no Tour, você sofria até um tipo de preconceito, com gente falando que você não surfava onda grande, que no Havaí não caia no mar. Isso acontecia naquela época? Existe um aprendizado ao logo da vida, eu vim duma cidade que não dava onda, eu não cresci acostumado a ver onda. De fato eu sempre tive maior dificuldade por ter vindo de um lugar que não tinha onda e ai fui evoluindo, pegando confiança. Pipeline não era um mar onde eu ficava à vontade, em Sunset eu sempre fiquei mais à vontade, mas eu vim a desenvolver mais meu surf nas ondas grandes já no final da carreira de competidor, por volta de 99/2000, quando o Taiti entrou para o calendário e eu tive a oportunidade de praticar bastante lá, pude aprender mais e mais a entubar e isso me ajudou a desenvolver meu surf para Pipeline, que era uma onda na qual eu não treinava. Mas ai, você sabendo a técnica, fica mais fácil. Eu parei numa época em que poderia ter mostrado minha evolução se tivesse voltado para o CT, mesmo que fosse mais tarde. Na real sai do Circuito em 2003, mas estava tentando voltar em 2005/06 e só parei por causa da coluna. Quando fui fazer a cirurgia em 2006, eu estava em 14º no ranking, competindo na Costa do Sauípe, e travei no meio da bateria, acho que foi das oitavas, e fui direto para a mesa de cirurgia.

Em que momento você resolveu se dedicar às ondas grandes, inclusive fazendo um quiver de pranchas grandes que é a primeira coisa que um big rider sério precisa ter? Cara, na real, a primeira vez que eu fui ao Havaí foi aquele mix de medo e admiração. Eu na época fiquei com uma galera nota 10 pra me jogar pro big surf. Nota 10 por serem uns caras atirados e gente boa, mas ao mesmo tempo uns bichos meio doidos, que eram os Brazilian Nuts, o Murilo Brandi, o Xan, o Anésio, o Pacelli, o Taiu, só bicho que descia onda grande. Eu via as pranchas da galera e não acreditava, porque meu primeiro quiver pro Havaí foi uma 6' 6" e uma 6' 3" , e eu fiz lá uma 7 pés com o Avelino Bastos, que foi comigo nesta trip, e fiz uma Willis Brothers 7'4". E ai a gente fazia umas fotos pra posteridade, os caras com a gunzeiras atrás e eu lá com as minha pequenininha, levantava quase na cabeça pra ficar grande e aparecer o bico (risos).

E ai, depois do meu primeiro inverno, passei a gostar daquela atmosfera de big surf. Eu sempre fui um cara que tive muito medo, mas muito mais por causa de fôlego, por que eu não tinha fôlego, do que medo da sensação de descer uma onda grande. Tinha medo de levar na cabeça, mas se a onda viesse eu ia. A vontade partiu dali. Desde então eu passei a ter pranchas grandes, pois é aquela coisa, quem curte mesmo o big surf tem prancha grande no quiver, da pra você perceber isso. Só que acontece é que eu fui pegando experiência no decorrer do tempo, não perdi o medo, mas passei a controlar mais ele. Nas situações em que antigamente meu coração dispararia, com eu tentando controlar sem conseguir, hoje em dia eu já consigo lidar mais com isso, mas ai quando eu dei esta evoluída os caras deram um passo acima. Agora tem a história dos giant riders (risos).

Fabio Gouveia didn't need any extra power than the one provided by his arms do surf the most recente big day at Laja da Jagua No maior swell do ano até agora na Laje da Jagua, um dos destaques foi Fabio Gouveia dropando com segurança na gunzeira que ele mesmo shapeou. - WSL / Luis Reis

Você tendo a oportunidade, se imagina surfando Jaws um dia? Eu fiz uma prancha para surfar Jaws no ano passado, eu quero ir surfar, quero conhecer a onda. Claro, quero ir num dia menor. Aliás foi no ano retrasado que fiz a prancha, naquela temporada de El Niño, mas no dia que me preparei para ir ia estar muito grande e eu ia ter que gastar uma grana porque eu estava sozinho e ao final eu abortei a missão. Eu queria chegar num dia menor para conhecer e tal, mas eu quero ver se vou agora na próxima temporada. Não com terceiras intenções de me tornar big rider mesmo, de seguir atrás de ondas grandes, mas pra conhecer, pra evoluir minhas pranchas, que estou shapeando há algum tempo e me interesso, gosto muito de prancha grande, tou evoluindo e tenho que testar o material nas ondas de responsa, de qualidade, pra saber se funciona (risos).

Aqui no Brasil, recentemente teve um swell muito bom na Laje da Jagua e você se destacou no dia, com fotos e filmagens pra comprovar. No Brasil é possível pegar onda grande de verdade? Minha vinda do Recife de mudança pro sul foi ótima por causa disso, já vi ondas aqui que eu nunca imaginava que no Brasil ia ter. Sei que apesar da gente ter surfado um ótimo swell na Jagua, ali pode dar o dobro, com certeza. Os caras já pegaram, eu não peguei, eu estou num processo de evolução, já tinha ido umas dez vezes e não tinha pegado um mar realmente bom, mas naquele eu botei em prática o que eu tinha aprendido nos mares menores, prestando bastante atenção nos pioneiros lá, que são o Fabiano Tissot, o Thiago Jacaré, o João Baiuka, que é um moleque mais novo mas já se tornou um big rider. São caras que tem muita experiência de colocação, e neste swell eu tive a oportunidade de praticar e me dei bem, estava tranquilo no mar, tinha umas ondas grandes e a gente nunca sabia o que vinha atrás, mas estou na evolução, só que é fogo, quando você vai parando de competir, vai buscando vários caminhos, eu busquei o do shape, que era uma coisa que eu já gostava, mas talvez se eu tivesse migrado pra tentar ser um big wave rider, talvez eu tivesse sido bem sucedido. Claro que ia ter que correr atrás, mas são as oportunidades da vida.

Até porque a gente vê que o diferencial dos big riders que realmente surfam a onda são caras que tem uma base de competição de alto nível em ondas menores, como o Shane Dorian. Tem muito cara que tem a disposição, mas falta a técnica. O Shane Dorian é um dos caras mais casca grossa, agora estão surgindo uns mais novos, mas há uns três anos ele era um cara que estava um passo à frente da turma. Na verdade ele desce ondas grandes desde pequeno, eu lembro dele com 15 anos de idade já botando pra baixo em Waimea, então é uma coisa de berço também, e o cara sempre esteve nestas situações. A saída dele do Circuito para ser um freesurfer já foi mixado com este lance da evolução do big surf. Hoje esta interessante, pois tem muita gente pegando onda grande e surfando bem. No passado eu acho que era muito mais gente com atitute e sem muita técnica, hoje tem os dois, o big surf evoluiu muito.

Ian Gouveia of Brazil placed second in Heat 2of Round Five at the Outerknown Fiji Pro at Cloudbreak, FIji. Para Fabinho, o filho Ian está em plena evolução, e pode surpreender, como fez no Outerknown Fiji Pro ao eliminar um dos favoritos, o aussie Owen Wright, numa bateria em que deixou clara sua afinidade com os tubos. - WSL / Ed Sloane

Falando de berço, o Ian, seu filho já nasceu num berço bem mais favorável que o seu. Não foi no Havaí, mas ele sempre esteve muito mais próximo de tudo isso, desde pequeno viajando pra lá, morando em Floripa. E ele já é conhecido por pegar altos tubos em Pipeline e teve uma bela performance em Fiji, inclusive eliminando um dos melhores surfistas da história do evento lá, o Owen Wright. Você acha que as ondas mais pesadas vão ser aquelas na qual ele vai se dar melhor no Tour? Acho que o Ian é um cara mais corajoso do que eu na idade dele, ele teve a oportunidade de crescer ali no ambiente, mais familiarizado, apesar de que ele só começou a carreira dele com doze anos, quando mudamos aqui pra Floripa, que foi quando ele foi pela primeira vez pro Havaí pra surfar, porque até então era aquela brincadeira de moleque, no inside de Haleiwa, em Puena Point, em Kahana Bay. Era um lance longe do que é ser uma criança havaiana mas ele já estava ali na atmosfera, tendo um conhecimento. Ele está em plena evolução, já caiu em uns mares pesados, ele adora Pipeline, acho que medo todo surfista tem, a maioria tem, mas experiência vai facilitando as coisas, ele está na escalada dele, no tempo dele, e até agora está desempenhando bem, na real, do jeito dele, ele pode surpreender.

É natural que big riders que tem filhos pensem neles quando estão no meio daquelas ondas enormes. Você tem três filhos pra pensar e agora uma netinha também... Rapaz, essas coisa são engraçadas, eu lembro uma vez que eu estava em Fiji num mar grande, a galera treinando pro evento, e ai eu dropei uma onda ali onde tem aquele double up que realmente fica casca e eu acabei, muito atrasado, despencando, uma vaca animal. Me lembro do Mike Lowe olhando pra mim quando eu subi e falando "Fábio, tenha cuidado que você tem filhos brother" (risos). Na real o cara acaba nunca pensando nisso nessas situações, age por instinto. Mas você tá falando dessa parada de big rider e na verdade eu estou muito distante desta galera que é do big surf, é um negócio muito muito punk, eu não me vejo muito nestas situações de ir pra água gelada, meu big surf vai ser um negócio diferente, mais suave, as oportunidades vão aparecendo e a gente vai indo. Muitas vezes temos que buscar outros caminhos e não podemos nos dedicar o quanto precisaria, mas continuo evoluindo, é lógico que é bem diferente da juventude, mas venho evoluindo.

E sua pranchas para as ondas grandes, você usa pranchas de outros shapers ou somente as suas? Não, desde 2008/9 eu venho usando só minha pranchas, tenho muita prancha guardada que é material de estudo também. Claro que prestando bastante atenção na pranchas da galera, conversando bastante, sempre que tenho oportunidade corro atrás pra ver o que está sendo usado. Mas também é aquela coisa, as vezes você vai muito em cima das teorias dos outros, mas se você descobrir suas próprias teorias, você pode ter uma coisa diferente.

Qual prancha você usou na Laje da Jagua? Ali basicamente são as pranchas que a gente usa no Havaí, eu estava com uma gunzeira 10'4". Já fui surfar lá com pranchas menores, uma 9'6", mas acaba que a onda é grande mesmo, é volumosa, não tem lugar certo pra entrar. Não é uma onda totalmente perfeita, apesar de que naquele dia estava bem legal. Então a boa você acaba pegando com uma prancha maior e eu estou evoluindo nestes modelos naa faixa de 10'4" e 10'6". Porque realmente é uma onda havaiana, uma onda oceânica.

E era um triquilha ou uma quad? Quadriquilha, depois que comecei a usar quadriquilha em prancha grande, mudou, evoluí muito, é um parada quase duas vezes melhor (risadas), virada lá embaixo e virada lá em cima.

Rookie Ian Gouveia of Brazil advanced directly to Round Three after winning Heat 8 of Round One at the Oi Rio Pro at Saquarema, Rio de Janeiro, Brazil. Assim como Fabinho carregava os filhos para os campeonatos, agora é o filho Ian quem carrega sua netinha Malia para os palanques ao redor do mundo. - WSL / Daniel Smorigo
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