- WSL / Jimmy Wilson

Ao longo de sua gloriosa carreira como um dos mais consagrados surfistas de ondas grandes do mundo, Carlos Burle experimentou momentos de êxtase reservados somente àqueles que estão dispostos a arriscar suas vidas para cumprir seu destino. Mas não foi dentro do mar, dropando uma onda gigante na remada, ou no pódio, adicionando mais um troféu à sua extensa coleção, a qual inclui dois títulos de campeão mundial de ondas grandes - pela ISA em 1998 e pela WSL em 2009/10 - onde o recifense radicado no Rio de Janeiro alcançou o que chamou de "momento mais feliz da minha vida".

Carlos Burle announces his big wave retirement at the WSL Big Wave Awards 2017 Tinha gente de A a Z, dos mais velhos ao pessoal da nova geração, a mídia, os amigos, organizadores dos eventos, então estava todo mundo reconhecendo aquele esforço, isso que foi muito gratificante, disse Burle sobre o inesquecível momento em foi aplaudido de pé no WSL Big Wave Awards. - WSL / Adrian Wlodarczyk

Para Burle, que aos 49 anos de idade finalizou o ano em 4º lugar no Big Wave Tour 2016, nada se compara ao que ele sentiu durante a cerimônia de entrega do WSL Big Wave Awards, em 5 de maio passado, em Huntington Beach, na Califórnia. Após anunciar no palco que iria se aposentar das competições de ondas grandes, ele foi ovacionado de pé pela platéia presente. Durante o Oi Rio Pro, no qual teve uma elogiada participação como comentarista na transmissão ao vivo da WSL, tivemos a oportunidade de conversar com Burle para que ele explicasse porque aquele momento foi tão marcante para ele.

Qual foi a sensação de ser aplaudido de pé pela elite mundial dos surfistas de ondas grandes ao anunciar sua aposentadoria durante o WSL Big Waves Awards 2017?

Minha jornada não foi feita só de coisas boas. Como todas as histórias bem escritas, teve muitos momentos em que a comunidade não me entendia, por isso sem sombra de dúvida aquele foi o melhor momento da minha carreira. Nenhum outro campeonato, nenhuma vitória, título, projeto, quebra de recorde foi tão importante para mim quanto aquele momento. Falo isso com certeza, porque eu sinto isso. Inclusive eu encontrei o criador da World Surf League, Dirk Ziff, e a primeira coisa que eu falei pra ele foi "cara, muito obrigado por ter criado esta estrutura e ter me dado a oportunidade de estar naquele momento". É lógico que poderia ter acontecido debaixo de outra estrutura, mas você que conhece a história do surf de ondas grandes sabe que antes a gente não tinha nada.

Carlos Burle BWT Nazare Challenge Para fechar sua carreira como sempre sonhou, Carlos Burle conquistou o 2º lugar no BWT Nazare Challenge com 49 anos de idade. - WSL / Guillaume Arrieta

Você sendo brasileiro, pra quem sempre tudo é mais difícil, e ter recebido este reconhecimento internacional da nata dos big riders, deve ter sido algo que tornou o momento ainda mais especial.

Foi muito legal, eu já chorei muitas vezes de tristeza, por achar que não era compreendido, pelo preconceito também, pela barreira da língua, a barreira da cultura, o brasileiro muitas vezes não é compreendido por sua maneira de agir e de se comportar, e a gente tem uma história de paixão pelo surf muito forte. Estamos vivendo isso agora aqui em Saquarema, estou falando disso com você (durante o Oi Rio Pro) e o locutor acabou de falar que em nenhum lugar do mundo existe uma relação, uma paixão tão forte com o esporte, e essa é a maneira que a gente se relaciona com a vida, com essa paixão toda. Então eu sentia que precisava daquele momento e não sabia se ia acontecer, eu achava que talvez eu passasse a vida toda como surfista profissional e nunca fosse entendido por tudo que eu fiz. Honestamente, acho que fiz muita coisa positiva para o esporte, mas sempre fui muito mal compreendido, chancelado como um cara só de trabalho na mídia. Mas quem me conhece de verdade sabe que o que eu quero é construir um ambiente saudável, onde todo mundo possa ter uma vida digna. Com um vida digna a gente compete dentro d'água, mas fora d'água está todo mundo bem.

Acho que os fatos falam por si só quando você vai para Puerto Escondido, Jaws e Nazaré e bota pra baixo com 49 anos de idade. Você não é mais um garoto e teve um ano muito bom, terminado em 4º lugar no ranking final. Foi o ano que você desejava pra encerrar sua carreira?

Pois é, era meu sonho. Eu estava até conversando com o Peter Mel e ele falou, "Carlos, como está sua vida?", e eu respondi "Peter, eu estou querendo me aposentar há muito tempo e eu nunca achei um momento tão confortável como esse". A minha sensação é que eu tinha que fazer algo mais ainda pelo esporte. Eu queria sair por cima, não queria ser expulso e botei isso na minha cabeça, treinei pra caramba, foquei pra caramba, e consegui dois resultados maravilhosos no ano (4º lugar em Puerto Escondido e 2º em Nazaré). E estou começando um trabalho com o Lucas ("Chumbo" Chianca, de quem Burle é o atual técnico), que é uma cara que está entendendo a minha paixão, ele sabe que eu quero fazer com ele muito mais do que eu mesmo fiz. Com 21 anos de idade eu não tinha acesso às informações que ele está tendo, à estrutura, apesar do investimento no surf de ondas grandes ainda ser muito pequeno. O Adriano de Souza estava me perguntando como é se aposentar, o que estou sentindo. Bem, eu não estou sentindo nada demais, pois continuo muito presente, mas com certeza (ser ovacionado no WSL Big Wave Awards) foi o momento mais feliz da minha vida, mais importante da minha vida. Ver o Gary Linden, que construiu tudo isso, ali presente, e tinha gente de A a Z, dos mais velhos ao pessoal da nova geração, a mídia, os amigos, organizadores dos eventos, então estava todo mundo reconhecendo aquele esforço, isso que foi muito gratificante. Não vou mentir, as vezes o pessoal fala que não importa os que os outros pensam, acho que não é por ai, pra mim importa realmente o que a minha comunidade pensa, não que eu fosse morrer se isso não acontecesse, mas foi muito bom, porque às vezes eu era mais reconhecido fora da minha comunidade do que dentro da minha comunidade.

Carlos Burle at the Big Wave Tour Pe'ahi Challenge on December 6, 2015. Photo by Richard Hallman. An entry into the 2016 Paddle Award category. O anúncio de que não vai mais competir no Big Wave Tour não quer dizer que Carlos Burle deixará de surfar ondas grandes. Ele pretende continuar marcando presença nos seus picos preferidos, como Jaws, na foto, onde ele participou por duas vezes do Pe'ahi Challenge. - WSL / Richard Hallman

Agora, como aposentado, qual sua rotina, você relaxou no treinamento, na alimentação?

No momento estou até treinando menos, pois passei por uma readaptação dos meus negócios, da minha relação com o Canal Off, onde meu programa vai ser em outro formato, a estruturação do trabalho com o Lucas, este meu momento com a WSL, que me deixa aqui o dia todo em função do campeonato. Mas eu não vou abrir mão da minha vida de surfista, por isso que eu quero treinar o Lucas, eu vou treinar o Lucas e vou estar dentro d'água. Eu gosto muito de atividade física e eu não vou abandonar o que eu acho que é o mais importante na vida de um ser humano, que é a procura pela evolução, e a procura pela evolução passa pela viagem interior, pelo auto conhecimento, por uma melhoria na consciência da alimentação, no seu relacionamento com todos, com o meio ambiente. A minha procura continua a mesma, a da evolução, só que minha paixão pelo surf é muito constante.

"CARLOS É UMA INSPIRAÇÃO ABSOLUTA"

Ex-comissário do WSL Big Wave Tour, membro da equipe de comentaristas da WSL e um renomado sufistas de ondas grandes, Peter Mel é conhecido por ter um ponto de vista forte sobre todas as coisas. Perguntamos a Mel o que ele pensava de Carlos Burle e ele disse que a lenda brasileira é uma grande inspiração para ele, mais ainda agora que, depois de ver Carlos se aposentar em tão boa forma, ele vai competir no Big Wave Tour.

Lucas Chianca, Pete Mel and Carlos Burle looking at waves in Santa Cruz Jan. 27, 2017. Carlos Burle, no centro, é uma inspiração para surfistas ao redor do mundo. Lucas Chumbo Chianca e Peter Mel, à esq, estão seguindo o caminho aberto pro ele ao competir no BWT. - WSL / Rodrigo Minguez

Qual é a sua percepção de Carlos Burle?

Bem, meu primeiro encontro verdadeiro com Carlos foi quando fomos a um evento chamado Red Bull Reef Seekers, em King Island, na costa da Tasmânia (anunciado no ano 2000 como o primeiro campeonato de surf rebocado do mundo). Eu estava lá com o Flea, e ele com o Eraldo Gueiros. Eles eram totais novatos, estavam apenas aprendendo, enquanto nós já vínhamos fazendo isso há um tempo, eles estavam se familiarizando, e o Burle estava lá apenas absorvendo toda a informação que pudesse, observando as pranchas, medindo as quilhas, os cabos de reboque, analisando os jet-skis, e foi quando eu realmente entendi o quanto Carlos estava determinado. Eu sabia dele, eu sabia que surfava ondas grandes e que ele as atacava pra valer, nos encontramos no ISA em Todos Santos quando ele ganhou o evento lá, e essa foi a minha experiência anterior com ele, compartilhando ondas grandes com ele, mas em King Island eu realmente vivi com ele, nós ficamos lá por três semanas à procura de ondas grandes, e depois ele me contou histórias de como ia no escuro checar nossas pranchas e tomar medidas com a fita. Parece que a cultura brasileira é assim, os brasileiros querem aprender coisas diferentes, culturas e línguas, estão tão determinados a ter um bom inglês, estão famintos por informações. É legal de ver, porque eu não tenho isso naturalmente para que eu possa aprender com esse tipo de determinação, porque eles estão vindo de um país onde tudo tem que ser conquistado, e não é fácil, há um monte de pessoas que lutam por um pequeno pedaço do bolo. Na América é totalmente diferente, você recebe as coisas sem que seja preciso fazer muito esforço, por isso é difícil ter essa motivação naturalmente, como é tão comum ver no Brasil. Então, novamente, olhando para isso e aprendendo com Carlos, quando eu estava lá no Big Wave Awards, e eu o vi, ele está com 49 anos, eu tenho 47 anos, então eu sou mais jovem, e ele ainda está entre os top 10, ele ainda está competindo nas maiores ondas do mundo, eu vi ele tomar algumas das piores vacas que já testemunhei e ele volta, ele quebrou as costas, tipo, há tanta coisa em sua história que eu me encantei por quem ele era e então eu vim a descobrir que somos primos por causa de nossas esposas (risos). Somos uma família. Todas essas coisas aconteceram durante nossas carreiras, eu estava competindo contra ele, e então eu me tornei o comissário do Big Wave Tour, e vê-lo ter sucesso quando o Tour foi para o WSL, e depois se aposentar no top 10, isso me inspirou. Eu dediquei quatro anos a ajudar a desenvolver o Tour com o Gary Linden, até chegar onde ele está agora, e entendi que isso estava consumindo muito da minha energia e tempo, tentando fazer parte desta equipe (de comentaristas da WSL), bem como ser o comissário. Ainda amo surfar ondas grandes, então eu continuei fazendo isso e acabei tendo a oportunidade de começar a competir no Big Wave Tour. Eu vejo que ele ainda está competindo em um nível alto, e eu sei que eu posso, eu sinto que sou um dos melhores, novamente aprendendo com ele. Ele é uma inspiração absoluta em tantos níveis, ele é um cara genuíno, ele é um cara legal, ele está sempre dando de volta às pessoas, querendo ajudar, como com o Lucas Chianca, outro surfista altamente determinado. Carlos apontou exatamente o que ele tinha que fazer e ele alcançou o objetivo. Você pode aprender muito de pessoas como ele.

E o que você pode dizer sobre aquele momento específico em que todos se levantaram para uma ovação a Carlos?

Foi fácil para mim, acho que eu comecei, assim que ele oficialmente disse (que ele ia se aposentar) eu me levantei e isso ajudou todo mundo ao meu redor, porque todo mundo entende, ele precisa ser reconhecido, ele foi atacado na mídia, a situação com a Maya Gabeira em Nazaré, ele estava tentando ser tão seguro quanto possível, mas a coisas acontecem, aquilo foi difícil para ele.

Carlos Burle is one of the most popular surfing personalities in Brazil Durante o Oi Rio Pro, no qual atuou como comentarista para a WSL, o enorme assédio do público comprovou que Burle é um dos surfistas mais populares do Brasil - WSL / Adrian Kojin
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